Depois de empreender durante muitos anos e vivenciar a experiência de ser CEO da rede The Body Shop, decidi tirar um sonho da gaveta. Mas alguns desafios tão grandes quanto o sonho me aguardavam pelo caminho
Eu era muito jovem quando abri minha primeira empresa, a Empório Body Store; tinha vinte e pouco anos. Isso foi em 1997, em Porto Alegre (RS). Hoje, tenho consciência de que foi um negócio mais “intuitivo” do que planejado. Começamos a empresa sem nenhum tipo de planejamento, sem nenhuma consciência do risco. Mas acabou dando muito certo. Fomos a operação de cosmético que mais cresceu no Brasil: mais de 120 lojas pelo país no modelo de franquia.
Esse sucesso foi comprovado anos depois, quando vendemos 51% da companhia ao grupo L’Oreal, que transformou a Empório Body Store na Body Shop aqui no Brasil. Após a transação, deveria permanecer como CEO da empresa por vários anos, mas já no primeiro ano decidi retomar um sonho antigo e voltar a empreender.
Mas, naquela época, um sonho antigo voltou a me visitar com mais frequência: o de empreender um negócio de cunho socioambiental, que tivesse o alimento como produto principal. Não sei dizer exatamente de onde veio esse sonho; só sei que ele me acompanha já há muito tempo. Isso foi lá pelos anos 2000.
Explorando o mundo em busca de referências
O fato é que o sonho ressurgiu por um motivo: já no primeiro ano como CEO da Body Shop percebi que não era onde queria estar. Queria mesmo era voltar a empreender. E, no final de 2014, acabei tirando da gaveta o projeto que não saia da minha cabeça. O sonho podia ser antigo, mas o propósito sempre foi muito claro: gerar impacto na vida das pessoas com consciência ambiental, por meio da comida. Só que eu não tinha ideia do modelo de negócio.
Em meio a dúvidas, acabei saindo da empresa em 2014 mesmo. E, acompanhado por duas pessoas que trabalhavam comigo lá, viajei por mais de oito meses pela Europa e pelos EUA. Mas não se tratava de período sabático ou simplesmente de turismo: fomos é fazer pesquisa in loco. Partimos para conhecer empresas que se enquadrassem nesse modelo socioambiental. E conhecemos, de fato. Visitamos mais de 300 organizações do setor para fazer benchmarking e ampliar nosso horizonte.
A viagem fez parte de um longo processo de reflexão, de imersão. Passamos esse tempo quebrando a cabeça para entender como alinhar o propósito (que também precisaria ser altamente escalável) e que tivesse a comida como eixo. Mas não queríamos inaugurar outra rede de restaurantes.
Enfrentando o medo de voltar a empreender
Então, uma vez que eu não tinha muito conhecimento sobre ferramentas de gestão, era normal que enfrentasse um período de paralisação. Porque de uma coisa eu tinha certeza: no novo negócio, deveria cumprir a cartilha.
Outro desafio: montar um negócio para o qual não existe benchmarking
Opa, acho que me apressei: comecei a falar do negócio sem sequer tê-lo apresentado a você. Pois bem, depois de muito pensar, chegamos a um modelo que cumpria as nossas expectativas: o da Urban Farmcy. A ideia era redefinir o futuro da alimentação. E para isso, estruturamos a operação de forma a trabalharmos nas duas pontas da cadeia: na produção e na oferta dos alimentos.
No caso da produção, a Urban Farmcy estimula a agricultura urbana. Queremos espalhar fazendeiros urbanos pelas cidades. É um sistema por meio do qual qualquer pessoa possa implantar uma pequena fazenda em sua própria casa — e essa pessoa poderá ser um fornecedor da empresa. Com isso, vamos trabalhar com fornecedores sempre num raio bastante curto. Reduziremos a distância entre o produtor e consumidor, o que acarretará no cumprimento do nosso primeiro objetivo: causar impacto socioambiental positivo.
Na outra ponta, teremos a elaboração de pratos em restaurantes. Aqui, a ideia é incluir o alimento verde na vida das pessoas. Aproximar a culinária clássica e nutritiva, mudar a impressão geral de que o que é verde não tem muito sabor.
Não é todo mundo que aguenta o tranco
Além das incertezas que já me faziam companhia, tinha outro agravante: a crise. Não custa lembrar que, durante os dois anos que antecederam a criação da Urban Farmacy, o país passava (e passa) pela maior recessão de sua história. E, ao longo do processo, um dos sócios acabou saindo. Desconfiava de que não daria certo.
Foi um baque forte para mim. Ele era uma espécie de porto seguro, trabalhávamos juntos fazia tempo. Mas, neste momento, o propósito me manteve nos trilhos. E ficou ainda mais claro para mim num certo dia, em que, distraído, comecei a pensar no que faria com o capital que tinha, caso não abrisse a empresa.
“Vou comprar um apartamento? Um barco? Vou passar anos viajando?”, pensei. “Não, não e não. Quero é abrir um negócio”. Essa foi uma iluminação que confirmou que o investimento se justifica. Voltei a trabalhar com todo o tesão. Isso me ajudou muito a direcionar, a tocar o negócio.
Juntando intuição com planejamento
Assim, de desafio em desafio, fomos adiante. A empresa foi aberta há alguns meses e, para nossa surpresa, a demanda atual é três vezes maior do que previmos. Como estamos lidando com isso? Bem, aqui acho que entram os grandes aprendizados desse processo todo.
Porque um ponto que ficou evidente, para mim, é que aquela intuição lá do início foi fundamental para esse retorno ao empreendedorismo. E, por intuição, refiro-me ao que não é muito concreto, como a crença no propósito e a percepção firme de que vai haver aceitação ao produto que iremos oferecer. “Seguir o coração”, como dizem por aí.
Principalmente na formação do time: no nosso caso, como mencionei, contratamos colaboradores com diferentes expertises e colocamos essas pessoas no lugar certo.
Além disso, fizemos um amplo planejamento da implantação do negócio. Estabelecemos prazos e volumes de investimentos para termos total controle. E, por fim, sempre tivemos claras, desde o início, as diretrizes estratégicas. “Por que?”, “O que?”, “Como?”: as respostas para essas perguntas sempre estiveram nas nossas mentes — e nas paredes do nosso escritório.
Porque, no fim, descobri que o maior risco de voltar a empreender é o medo de não dar certo. Aí complica. Corre-se o risco de se entrar num ciclo vicioso, do qual não se sai nunca mais. É preciso romper esse ciclo vicioso; é preciso acreditar, planejar e dedicar-se de corpo e alma a isso. Enfim, seguir o coração com a bússola da razão.
Artigo escrito por Tobias Chanan, fundador da Urban Farmcy, publicado originalmente na página da Endeavor e cedido ao Administradores.com
Fonte: Administradores.