“Se um país corta e vende todas as suas árvores, ganha um impulso no PIB. Mas nada acontece se ele as preservar”, diz professor sul-africano
Artigo de Lorenzo Fioramonti, professor de Economia Política na Universidade de Pretoria (África do Sul), onde dirige o Centro para Estudo da Inovação em Governança
A ideia de que o “bolo” econômico pode crescer indefinidamente é sedutora. Significa que todos podem ter um pedaço sem precisar limitar a ganância de ninguém.
A desigualdade fora de controle se torna então socialmente aceitável, porque esperamos que o crescimento econômico eventualmente deixe todos em uma situação melhor.
Em meu novo livro “Wellbeing Economy: Success in a World Without Growth” [“A Economia do Bem-Estar: Sucesso em um Mundo sem Crescimento”, em tradução livre] eu aponto que a regra de “crescer primeiro” dominou o mundo desde o início do século XX.
Nenhuma outra ideologia foi tão poderosa: a obsessão pelo crescimento atravessou tanto sociedades capitalistas quanto socialistas.
Mas o que exatamente é o crescimento? Estranhamente, esta noção nunca foi desenvolvida de forma razoável.
Para o senso comum, há crescimento quando – todo o resto mantido constante – nossa riqueza geral aumenta. O crescimento acontece quando geramos valor que não estava lá antes: por exemplo, ao educar as crianças, melhorar nossa saúde ou preparar alimentos. Uma pessoa mais saudável, educada e bem nutrida é certamente um exemplo de crescimento.
Se qualquer destas atividades gerar alguns custos, para nós individualmente ou para a sociedade, o deduzimos do valor criado. Por essa abordagem lógica, o crescimento equivale a todos os ganhos menos todos os custos.
De forma paradoxal, nosso modelo de crescimento econômico faz exatamente o oposto do que o senso comum sugere.
Valores negativos do crescimento
Aqui vão alguns exemplos. Se eu vendo meu rim por algum dinheiro, então a economia cresce. Mas se eu educo meus filhos, preparo alimentos e cozinho para minha comunidade, melhorando as condições de saúde do meu povo, o crescimento não acontece.
Se um país corta e vende todas as suas árvores, ganha um impulso no Produto Interno Bruto (PIB). Mas nada acontece se ele as preservar.
Se um país preserva espaços abertos como parques e reservas naturais para o benefício de todos, ele não vê essa melhora no bem-estar humano e ecológico refletida em sua performance econômica.
Mas se os privatiza, comercializando os recursos presentes e cobrando taxas dos usuários, então o crescimento acontece.
Preservar nossa infraestrutura, a tornando durável, de longo prazo e gratuita adiciona zero ou apenas marginalmente para o crescimento.
Destruir, reconstruir e fazer com que as pessoas paguem para usá-la, por sua vez, é um impulso para a economia do crescimento.
Deixar as pessoas saudáveis não tem valor. Deixá-las doente tem. Um sistema de saúde público efetivo e de prevenção está aquém do ideal para o crescimento: é melhor ter um sistema altamente desigual e disfuncional como o americano, que responde por quase 20% do PIB do país.
Guerras, conflitos, crimes e corrupção são amigos do crescimento no sentido de que forçam as sociedades a construir e comprar armas, instalar travas de segurança e aumentar o valor que o governo paga em contratos.
O terremoto em Fukushima, assim como o derramamento de óleo da Deepwater Horizon, foram maná para o crescimento, pois exigiram gastos imensos para limpar a bagunça e reconstruir o que foi destruído.
Crescimento desaparecendo
Diante desta descrição sombria, você pode se perguntar: onde estão as boas notícias? Então, a boa notícia é que o crescimento está desaparecendo, querendo ou não. As economias estão tropeçando adiante.
Até a China, a locomotiva global, está ficando sem vapor. E o consumo atingiu limites no chamado mundo desenvolvido, com menos compradores para as commodities e bens exportados pelos países em desenvolvimento.
A energia está se esgotando, particularmente os combustíveis fósseis, e mesmo se as fontes poluentes fossem infinitas – como sugerem alguns apoiadores do gás de xisto – os acordos globais de combate às mudanças climáticas nos exigem que as eliminemos logo.
Como consequência, mitigar a mudança climática força a produção industrial a se contrair, limitando o crescimento ainda mais.
O que isso significa é que, por um lado, o crescimento está desaparecendo devido a uma contração sistemática da economia global. Por outro, o futuro do clima (e de todos nós neste planeta) torna o retorno do crescimento, ou pelo menos da abordagem convencional do crescimento econômico liderado pela indústria, social e politicamente inaceitável.
Janela de oportunidade para mudança
Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) e economistas neoliberais do mainstream como Larry Summers concordam que a economia global está entrando em uma “estagnação secular”, que pode muito bem ser a característica dominante do século XXI.
Esta é uma perspectiva desastrosa para nossas economias, que foram desenhadas para crescer ou perecer. Mas também é uma janela de oportunidade para mudança. Com o desaparecimento do crescimento como bala de prata para o sucesso, líderes políticos e suas sociedades precisam desesperadamente de uma nova visão: uma nova narrativa para se engajar com um futuro incerto.
No meu novo livro, eu argumento que na medida em que reconhecemos a loucura por trás do crescimento, começamos a explorar novos caminhos. Eles incluem: formas de negócios que reconciliam as necessidades humanas com o equilíbrio natural; processos de produção que emancipam as pessoas do seu papel passivo como consumidores; sistemas de organização social no nível local que reconectam indivíduos com suas comunidades e ecossistemas enquanto permitem que eles participem em uma rede global de geradores de mudança ativos.
É a isso que eu chamo de “economia do bem-estar”. Nesta economia do bem-estar, o desenvolvimento está não na exploração de recursos naturais e humanos, mas na melhora da qualidade e da efetividade das interações de humanos para humanos e de humanos para ecossistemas, apoiadas pelas tecnologias apropriadas para permitir isso.
Vidas satisfatórias
Décadas de pesquisas baseadas na avaliação pessoal de vidas, dinâmicas psicológicas, registros médicos e sistemas biológicos produziram uma quantidade considerável de conhecimento sobre o que contribui para vidas longas e satisfatórias.
A conclusão é: um ambiente social e natural saudável. Como animais sociais, nós prosperamos graças à qualidade e interconectividade com amigos e família, e também com nossos ecossistemas. Mas claro, a busca pelo bem-estar é, no final das contas, algo pessoal.
Só você pode decidir o que é. E é precisamente por isso que acredito que um sistema econômico deve empoderar as pessoas para escolher por si mesmas. Ao contrário do mantra do crescimento, que padronizou o desenvolvimento ao redor do mundo, acredito que uma economia que aspira alcançar o bem-estar deve ser desenhada por aqueles que vivem nela, de acordo com suas razões e valores.
Traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor
Fonte: Exame.